Conversando sobre educação científica

Aqui nós, do Núcleo de Educação Científica - NECBio, da UnB, criamos um espaço para a troca de idéias sobre educação científica, divulgação da ciência e debates sobre o papel da ciência em nossas vidas. Esperamos que sirva de mapa para a rica mina da divulgação científica e para recursos voltados para ensino de ciências e biologia. Aproveite!


quinta-feira, 5 de abril de 2012

CONHECENDO OS BASTIDORES


 (ou Indagações de Uma Divulgadora Principiante)

          Produzir divulgação cientifica não é um trabalho fácil. Se você é um especialista da área sempre corre o risco de produzir algo muito técnico, se você é um leigo no assunto corre o risco de ser muito superficial e se você é um jornalista, corre o risco de parecer leviano com o assunto sobre o qual escreve visando maior repercussão para o público leitor.

            Não consegui me sentir imune a nenhuma dessas armadilhas, situação que me deixou muito inquieta, por isso resolvi pesquisar mais sobre os bastidores da divulgação científica. Como são escolhidos os temas? Quem são os profissionais que produzem esses textos? Quais os critérios seguidos para tornar o texto mais acessível ou mais atraente? E as perguntas não acabavam, quanto  mais eu procurava, mais perguntas surgiam. Então decidi compartilhar algumas indagações sobre dois casos que, a meu ver, exemplificam bem algumas das problemáticas enfrentadas pelos divulgadores científicos.



            O primeiro caso  é o de uma matéria publicada na página virtual do jornal Folha de São Paulo por uma jornalista, baseada em um artigo científico sobre a hepatite C  escrito por um grupo de pesquisadores da USP e noticiado pelo blog de um deles, o Rainha Vermelha.

            Para quem quiser conhecer mais sobre o caso eu recomendo acessar os links acima, mas vou resumir a história: a reportagem da Folha de São Paulo dizia que “homens jovens e promíscuos são as vítimas preferenciais da hepatite C”. Ao utilizar a palavra promiscuidade, que na nossa sociedade é carregada de um sentido pejorativo, ausente no artigo original, a jornalista  acabou por ofender um grande número de leitores portadores de hepatite C. Algumas das reações dos leitores podem ser vistas em um post publicado no Rainha Vermelha, que discute a forma como as informações científicas podem ser distorcidas pela mídia.

            O que levou a jornalista a criar essa roupagem tão sensacionalista para a sua reportagem? Esse é um questionamento que eu me faço e que nos permite refletir sobre vários problemas da divulgação científica. Será que foi apenas um deslize em que o juízo de valor particular da repórter transpareceu no texto, será que foi falta de conhecimento a respeito do tema, ou será que realmente a jornalista teve o objetivo de chamar a atenção dos leitores, polemizando e se utilizando de termos que não foram empregados no trabalho original para que seu artigo fosse publicado?

            Isso me leva ao meu segundo exemplo, retirado de um site chamado “the open notebook. Essa página virtual trata de abordar os bastidores da divulgação científica, entrevistando jornalistas sobre como foram feitos seus artigos. Nela encontrei a entrevista com o jornalista Adam Roger que nos dá uma ideia da influência dos editores das revistas de divulgação sobre as matérias publicadas e como os temas são escolhidos e trabalhados.



            Eu tinha essa idealização a respeito de como os temas de divulgação são escolhidos, acreditava que tinha quer ser algo da sua área de pesquisa, ou uma temática muito atual e relevante cientificamente, mas em um trecho da reportagem quando Roger foi indagado sobre como chegou ao tema ele responde Isso vai soar muito ruim, mas eu não lembro exatamente. Acho que foi algo em um blog tarde da noite ou no  twitter. Eu caí em uma toca de coelho virtual...”

            Esse trecho me deixou aliviada, ele não era muito diferente de pessoas comuns como eu. Vagar pela internet é algo que eu sei fazer. Inclusive ele confessa em outro trecho que o fato de gostar de uísque (a reportagem é sobre um fungo que cresce nos arredores de uma fábrica de uísque) foi um dos motivadores para a escolha da história. Na sequência da entrevista ele conta um pouco sobre os bastidores das revistas,  revelando que não tinha nenhum esboço de reportagem quando em uma reunião com os editores chefes soltou algumas suposições, como este fungo pode até ter algo a ver com a forma como o uísque é feito” , suposição que acabou se provando errada. 

            Dei mais um passo rumo a compressão do fazer da divulgação cientifica. Também se fazem suposições erradas na divulgação e não só na ciência. Na introdução do livro “Ciência em Ação” Latour resume muito bem essa faceta da ciência; ele nos diz que a ciência tem duas faces, aquela que sabe e a outra que ainda não sabe. Talvez nosso colega Roger só estivesse tentando impressionar os editores, ou talvez ele realmente achava que estava prestes a relatar uma descoberta sobre como os fungos influenciavam o uísque, mas o mais importante, pra mim, é reconhecer nesse relato o caminho irregular que eu também estou trilhando.       

            Quero destacar um ponto do texto, em que Roger assume que a falta de um desfeche  foi um problema para os editores. A pesquisa não teve um grande final como nos filmes de investigação, ela não explicou o porquê dos fungos crescerem daquela forma, mas nem por isso deixou de ser interessante, mostrando o dia a dia do pesquisador e a descrição de um novo gênero. Mas será que isso era suficiente para vender uma revista e para impressionar os leitores?

            O que se deu por fim, foi que a reportagem foi aceita e o jornalista termina a entrevista dando um relato muito inspirador para nós, divulgadores. Ele diz “faz algum tempo que temos tentado mostrar que as partes mais interessantes da ciência são aquelas que as pessoas ignoram. Quando você resolve algo, aquilo vira algo feito e morto. A ação está nas fronteiras da ciência [...]

            Então leitor, não me julgue, mas a verdade é que sou só uma divulgadora principiante, e as minhas incertezas e inseguranças são muito maiores que as minhas certezas a respeito da área, e segundo Latour a primeira decisão que devemos tomar é como será nossa entrada no  mundo da ciência, se será pela porta de trás, a da ciência em contrução, ou pela porta grandiosa da ciência acabada. Acho que sempre estive mais inclinada à primeira opção e por isso ainda não respondi todas as minhas dúvidas sobre produção de textos de divulgação científica, mas estou um pouco mais perto disto.